quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Incógnita

Amor cresce verde
na fórmula incógnita dentro.
Amor cresce e definha
perante a surpresa da vida.
Amor cresce fractalmente,
pavoneia-se à cegueira
e depois...
Subverte de novo sua alquimia.

domingo, 25 de novembro de 2007

Sentir

A alma não tem olhos mas vê. Vê certamente com o nosso coração e àquilo que vê, nós chamamos sentir. E o sentir sustenta-nos. Mais do que manter-nos vivos, faz-nos viver.

A morte do dia

I
O desejo presente projecta a sua sombra
na húmida língua em reclusão, à espera do dia,
do exacto momento do medo da impossibilidade
da capacidade de resposta imediata.
Esse medo vítreo oculto pelas ideias e comportamentos
considerados aceitáveis.
Respirar fundo.
II
Eis o momento aberto à queimadura da pele hesitante.
Por fim repousa nas bordas do dia.
Assim sobe-desce degraus conforme
o uniforme do momento.
Na mais paralizante paisagem se decide, por vezes,
a dor futura, em religiosa felicidade.
O amor é um vazio dolente
aguardando o desperdiçar da vida.
Nenhum vislumbre se avizinha.
É sempre tempo de acabar.

Paisagem

Uma paisagem breve.
Seara já não existe.
Os ideais ceifados pela imóvel mudança.
A saudade partida ao meio
inunda já os corvos do meio dia.
Das lágrimas caídas da sua ascenção,
brotará um novo horizonte.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Quando para mim olhares

Há em mim uma tentação desconstruindo-se, no vórtice místico do bafo das feras. Hoje não haverá ruína, vestígios, restos.
Quando para mim olhares, verás o instante em que aqui estive, alheio à História. Quando para mim olhares, se olhares, talvez reconheças o antiseptico desejo de libertação ou o que quer que isso seja. Há que proceder ao branqueamento do olhar.
«Em todas as questões, não perca muito tempo a pensar.»
Os outros que chafurdem no sublime. Eu quero o despojamento, sem heranças, sem referencias. Quero o novo, quero a utopia, bem dentro desta putrida praia, onde sonhei com a alegre mortificação das hienas, doentes de cultura.
A vontade ergue-se, desmorona-se. Nada dizer. Técnica, sangue, vontade conciliada com nenhuma maneira de fazer. Extraviadas instruções, talvez repudiadas.
E quando para mim olhares... Sim.

domingo, 18 de novembro de 2007

Confronto


Cá nesta Babilónia donde emana
a persistente vibração de luz que devora
os frágeis fugidíos pensamentos a pulsarem
bem dentro do peito,
sem possibilidade de fuga,
despertam os adormecidos corpos
perdidos em sonhos criteriosamente alfabéticos,
ignorantes da futilidade de tudo aquilo.

Eis chegado o instante do confronto
adiado vezes sem conta.
O ajuste de contas surge por trás da porta,
e no jogo brutal, sedutor das sombras,
desfere o golpe auto-inflingido.

Assim se fica possuído pelo esfomeado desejo
de se ser pela morte sodomizado.
Assim se ajoelha o penitente,
em profunda negação
da sua descrença.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Transição

Sair de um lugar demencial
para a súbita luminosidade do jardim.
Todos os olhares ainda permanecem
por algum tempo. Ou será talvez a memória?

Os passos dados, logo esquecidos,
por serem dados na suspensão do presente,
são vôo sonhado com asas feitas de pó.
Tudo nada mais é do que transição,
Diálogo entre passado e presente.
O futuro é pura imaginação.
É a luz de estrelas que ainda aqui não chegou.
E no espaço de um pensamento, de um passo,
de uma vida inteira, o verbo principia.

O rodopio da vertigem de vozes
distancia-se enquanto é desfiado
Até à mais pura essencia primordial.
Depois nada se é e um dia nasce-se outra vez
e tudo se repete.
Habita-se o momento contínuo da vida,
respira-se a cor das flores
ou cai-se na consciência da repetição.
Mas nada se repete realmente.

Inquietação

Gostava que de algum modo, nem que fosse por um instante apenas, sentisses a inquietação, delineada como um rochedo. Um pulsar a esvair-se. A convergência para o lugar mais feio do mundo. Diz-me porque não hei-de ter medo?
As vésperas. Viver na suspensão marmórea. Progressão incurável e sabe-se o fim. Não qual, mas desconfia-se.
Meus amigos, falar do fim não é necessáriamente falar da morte. Mas a beleza da ideia, por estar para além de qualquer toque, como que roçando a invisibilidade. Referir o que se deseja é anular o desejo. Daí a sobrevalorização do sonho. O sonho serve para realizar coisas, nada mais.

Sei agora

Sei agora o que será a manhã.
Sei do vento, sei da chuva,
sei do sol. Essa voz
onde a aridêz se detém...
Sei que ser feliz é enquanto
a gota de chuva explode.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Estar aqui

Estar aqui hoje, pensar e sentir desta maneira,
significa o quê, afinal?
A capitulação?
A elevação?
Nada disso. Significa que o tempo passa.
Significa olhar pela janela
e ver as pessoas a passar.
Significa que sentir é agora
e agora tem pouca importância.
Enquanto outros pavoneiam as penas
e gritam longe no bosque,
tu resistes, tu saboreias.
Não, não é temor, é sabor.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

No longer

No longer sun or moon alone,
no longer breeze, water,
footsteps or even words.
What then? What now?
Maybe an idea before the idea,
a soul tattoo, a dawn of time.
Life is full of sadness and surprises.
Sometimes we’re ready, sometimes we’re not,
but happiness is something we crave for a lot.
No longer pain or pleasure alone.
Life is as bright as the sky before dawn.
No longer faith or hope,
no longer me or you, no longer me and you.
And now that everything is said and done,
we will share any kind of moon,
we just wont stare at the sun.

domingo, 4 de novembro de 2007

Distancia

Pudera eu ser distancia de astros da guarda
nas noites ignorantes do desejo em forma de cubo.
Minhas seis faces ou seis sentires irradiariam seu sol
sempre breve nas mesas das esplanadas
onde ainda se embala o mar ao longe.

O avião que passa,
o barco que pesado parece na linha do horizonte.
Eles são o romance dos dias,
raiar de possibilidades.

Vou ter de esperar pela noite,
pelo antecipadamente aguardado gesto
que nunca vai chegar
e aceitar a minha vassalagem
às palavras paridas dos pensamentos
indomáveis.

Um dia destes revolto-me
e não te exprimirei.
Definharás dentro de mim.
Serei teu breve cosmos.
Da tua extinção, brotará a flor
da minha pele rasgada, mas grata
pela catarse da doce dor provocada.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Luz cíclica

Luz cíclica para quem tem os olhos
a dar boas vindas ao mundo.
Uns dias, a luz acaricía,
outros, leva-nos a cerrar os olhos.
O truque não está em caminhar
quando a luz nos acaricia,
mas em sentir a pulsação do mundo
quando a luz nos obriga a fechar os olhos.

Um sabor agradável na boca

Ocasionalmente acontece: tem-se certezas. Aí, torna-se mais fácil tomar decisões que de outro modo evitariamos tomar. Mas nestas coisas, dou sempre preferência ao princípio da incerteza, porque é ela que nos impulsiona para a frente. Às minhas estimadas incertezas e às certezas dos outros, eu digo «boa noite, foi um dia bom, está tudo certo, no seu devido lugar.» Já sei que amanhã vou acordar com uma daquelas dores de cabeça. Pode ser que seja suavizada com a memória do sonho que tive e do qual tive pena de acordar. Quimeras, alguém que nunca se vai conhecer, um sabor agradável na boca, depois de um longo beijo, talvez um lugar estranhamente familiar quando por ele passar daqui a 5, 10 anos. Decidir que a vida é bela, que é domingo e não terei necessáriamente de trabalhar. Decidir não tem de ter nada a ver com certezas. Sei que existem respostas e elas já estão todas dentro de mim. Algumas delas, só terei de as encontrar. Ou com sorte, deixar que algumas delas venham até mim.