segunda-feira, 31 de março de 2008

Regresso

Regressaste-me de fugida.
Soube-me bem saber-te perto.
A viagem respirou fundo e depois bateu as asas
sem se importar que a noite havia chegado.
Era tempo de sonhar. Era tempo de reencontrar.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Aurora

Aurora d'ouro inocente alastra pelo céu obscuro, aparta-lhe o escuro e as estrelas lá se vão em fila indiana porque assim foram sonhadas, talvez para melhor as contar. As sombras regridem sem que ninguém dê por isso, embora não saibam de onde vem aquela música longínqua, mas sabem sempre de onde vem a luz; pudera, é essa a vida delas: darem-se à luz. Em momentos assim, o melhor é não pensar em nada. Se o sol está a nascer, o melhor é ser como ele e nascer também. Ser o cheiro das flores que para ele se viram, ser o cheiro da terra húmida, o chilrear dos pássaros, lá ao longe a ecoar no pinhal...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Distância

Descascamo-nos como cebolas, camada a camada, numa regressão lenta e plena de suspense porque nunca sabemos o que vamos encontrar debaixo a não ser a pulsão de viajar até uma inocência ancestral, uma inocência inocente. Não ousamos olharmo-nos nos olhos porque ainda é longa a distância. Por agora, este imenso agora, nossos olhos estão fixos nas memórias de nós próprios, em todos aqueles infindavelmente gordos e felizes dias transformados em doce sépia empoeirada e guardados em gavetas há muito esquecidas. Descascamo-nos numa gentil hipnose em busca do movimento sincopado de nossas peles ligadas, como se siameses fossemos.

sábado, 22 de março de 2008

Margens confluentes

Como quem assume um som que não ouve, caminho lado a lado com a saltitante sólida ilusão, conduzido pelas árvores laterais que pavoneiam suas tonalidades outonais. Algures lá ao longe, as margens confluem uma para a outra, sempre escapando à minha chegada. Adoro isso. O som afinal dentro de mim, o ponto de chegada a escapar enquanto caminho no aconchego destas margens eventualmente confluentes e a sólida saltitante ilusão que faz bater o meu coração.

domingo, 16 de março de 2008

Dias assim

Há dias assim, de espanto, de receio do porvir,
do ar circundante, da memória feita muralha.
Num simples gesto, o que parecia frio é afinal
o aconchegante toque da luz. Sim, aquela luz...

quinta-feira, 13 de março de 2008

Travessia

Apenas porque às vezes tudo parece impossivel, intransponível... Parado, qual vela suplicando pela mais insignificante brisa... Quando tudo é pura suspensão, roçando a esterilidade... Então acontece, como uma nova cor, quando se julgava conhecer todas, como um banho de fé no espanto da vida. De repente, sai-se de um outro lado qualquer. E a rendição, doce, compassiva, vasta, que transforma o olhar, o sentir, torna-se o novo sangue de todos os dias ainda por nascer.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Catedral

Quem te procura na noite oblíqua? Quem te queima teu fogo interior, catedral de sentires, pensamentos como segundos vertiginosos e... Respira fundo, olha para trás. Nunca corras quando a memória te ultrapassa. Depois, não olhes para a frente. Fecha os olhos. Quem te procura já te encontrou, assim, sem que disso te tenhas apercebido.

terça-feira, 4 de março de 2008

Novas palavras

Deixa-me com as palavras esquecidas,
ainda por escrever em folhas
que um dia hão-de amarelecer.
Circulem os pensamentos,
porque ninguêm a não ser nós, quer saber deles.
É na construção de novas palavras
que novos horizontes nos libertarão
no ainda não revelado regresso a casa.
E a casa regresso, de alma leve,
qual chilrear matutino.
Pensava não ser possível. Assim fui ensinado.
Que bom é descobrir.

domingo, 2 de março de 2008

Gritos distantes

Nos gritos de nós próprios encontramos o silêncio da vasta planície a percorrer. Nada mais nos é devolvido a não ser os gritos distantes que espantam as aves da manhã. Elas voam, presenteando-nos com a brisa das suas asas. E mesmo assim....
Quem somos nós afinal? Quem somos?