domingo, 1 de novembro de 2009

Palavras fechadas

Nunca fecho verdadeiramente os olhos.
A comunicação é-te sempre dirigida.
Os porquês, os porque não, os se apenas…
Afinal é comigo que falo. Faço de ti meu anjo da guarda
e eu o eterno distraído sonhador.
Nunca os fecho verdadeiramente.
É uma maneira de não te ver na claridade
a ricochetear no interior desta capela
erigida com a doçura das palavras levadas pela esperança.
Já aqui não mora. Desistiu de me sonhar
ou então julgou-me por fim mestre
da minha própria plenitude.
Mas a minha plenitude és tu.
Como vai meu olhar fechado resolver isto?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Olá ao porvir

Vem ver a nova encarnação,
o espaço a espreguiçar-se noutro espaço mais vasto,
pois o tempo é de revisitar.
Revelas-me tua esfinge, por mim imaginada.
De braços abertos, recebo o sabor e o cheiro
de uma vida servida como álbum de fotografias.
Não falo de regressão, falo de paixão.
Desejo fecundar-te com nossos sonhos antigos,
dizer por fim olá ao porvir.

sábado, 24 de outubro de 2009

Toda a emoção

De empurrar os dias para debaixo do tapete,
gasta-se o rastilho que nos aprisiona,
o doce rastilho camuflado de céu
com aquelas nuvens enganadoras.
Olhamos. Olhamos para cima por trás de óculos de sol.
Andamos uns contra os outros e desculpamo-nos
com a nossa profunda celestialidade.
Quem assim nos aponta com o nosso maior vício? A culpa.
A culpa vestida de dias em compassada sucessão.
Como se a culpa tivesse ritmo… Ou vaidade.
Com ela, podia aprender-se muito:
por exemplo, a simplesmente ser-se;
a ver que no seu olhar vago se pavoneia
toda a emoção da existência.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O peso da ilusão

Se eu falar da falha provocada pela espera,
talvez ela venha a desaparecer até da própria memória.
É ela a ter de lidar com tudo ou a ter de lidar com nada?
Simples se faz o pensamento,
o sentir de pensar o grande vulto do outro lado.
Ele vai e volta sem se mexer e cada uma das suas voltas
tem o peso da ilusão.
E nela presos, sonhamos ou julgamos sonhar
com falhas na nossa própria intrincada defesa.
A passagem do tempo fez dela uma sofisticada e triste muralha.
Não seremos heróis de coisa nenhuma,
mas romancearemos o nosso heroísmo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Improviso

Para onde foi o caminho da certeza
que um dia me apareceu à frente?
O caminho que obliterou os outros caminhos e foi celebração?
Falar de margens significa falar da possibilidade do encontro,
é falar também da impossibilidade do encontro.
E entre estas margens, correm as ideias, o sentir,
o passado e o futuro,
o perpétuo presente de um dia que nunca foi aniversário.
Acredito que o desaguar, a foz, é o que eu deles fizer.
(Às iminentes 7000 visitas desde blog, o meu obrigado por aqui terem passado)

domingo, 11 de outubro de 2009

Suspensão

Quantas vezes partes de nós morrem durante o dia?
Algumas nem as sentimos por força do hábito.
Mas em dias de trágica suspensão, não quero falar de tragédia.
De que quero falar então?
Da água da alma que é a memória.
Em dias assim, servem as recordações como bateria do corpo.
Elas dizem-nos, ou fazem-nos sentir que tudo ainda vale a pena.
Por exemplo, quando nada mais me apetece senão desistir,
penso em ti. Fico triste, mas também fico contente.

domingo, 4 de outubro de 2009

Por vezes

Pela dança vamos entrando, pelo ar que respiramos.
Nas passagens de uns pelos outros, só a imaginação se toca.
Feliz por vezes, no encontro da voz. Mas em dias assim,
tudo corre bem. Era uma vez uma brisa, um sonho, um tempo.
Os passos aprendem-se até à perfeição. O resto não.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cúpulas interiores

Olha para as margens, olha para as marcas. Contemplar não é para nós, mas por uma vez, podiamos olhar para trás e ver o caminho feito, a terra aberta. Depois parar para sempre no perpétuo movimento dos nossos sonhos. Eles são as margens, eles são as marcas. E o movimento é o sentir em nossas cúpulas interiores. Deliciamo-nos com os raios de sol , como se fossem um orgão de luz. Olha e diz-me que afinal nada disto existiu. Que foi apenas um sonho a sonhar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Entre-momentos

Gostava de escrever uma ode às nossas estimadas solidões,
se não fossem estas sinónimo de uma difícil plenitude.
Cada vez mais desejo apanhar o pensamento
quando ele acontece. E quando isso acontece
(raras vezes ainda, diga-se),
gera-se um efeito que imagino similar
ao surfar dentro de uma onda.
A paisagem é uma multiplicidade de pontos numerados
que temos de ir ligando. E quando se pensa
reconhecer o desenho, ele muda.
Mas aqui ninguém nos ouve,
e posso dizer que o truque está em entrar nesses
entre-momentos, quando um desenho deixa de parecer
uma coisa e ainda não parece outra.
Conquista o agora, contaminámo-lo com a mestria
de nossas dúvidas. Seremos vírus de nós próprios.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Não digas

Não digas até amanhã,
uma vez chega, por favor.
Não digas adeus, não o sussurres sequer,
deixa-te estar entre os suspiros sonhados.
Canto-te canções de embalar, se quiseres,
canto-te cantos de amor, até que percas o medo.
Eu não quero dormir, não quero partir.
Não digas até amanhã.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

09.09.09

O 9 do 9 de 09
deixo-o à imaginação
de quem por aqui passa.

sábado, 5 de setembro de 2009

Poema de sexta-feira escrito sábado

Desprovido. Sempre o mesmo olhar em volta sem nada ver
ou o tudo ver distorcido. E isto é exterior ou interior?
Não te rias nunca do que não consegues compreender.
E se aprender não é a tua cena, força-te à hibernação.
A próxima primavera trará pelo menos novos cheiros,
novos sentidos, toda a verdade feita ilusão
de tudo estar finalmente bem.
E assim se pode viver toda uma vida.

domingo, 30 de agosto de 2009

Nada se leva daqui

Por entre insuspeitos obstáculos ao olhar,
insinuam-se surpresas às quais se tem de sorrir.
Nada se leva daqui, senão vislumbres e micro-perfeições.
Começa então o trabalho do pensamento, da imaginação,
para completar os espaços e tempos em falta.
E sorri-se, sorri-se com estes jogos de possibilidades,
com a facilidade em criá-los
e a felicidade com que eles retribuem.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Uma primavera

Uma primavera serpenteia
pelo corpo acima, a querer tocar céus nublados
e gotas de chuva na espera da libertação.
O sangue nunca se revela, com receio de coagular
para dentro das bocas e olhos fechados de quem passa.
De mãos dadas num agora sempre adiado,
no tudo que vai acontecendo e me nega o ser,
devolvo o pensamento, qual mangueira
deleitando com água a erva de um jardim.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Reciclagem

Passei por baixo do arco-íris em ruínas pairando estranho entre as nuvens. O forte cheiro a erva húmida accionou a máquina do passado, toda a alegria e ignorância de um instante agora perdido algures dentro de uma gota de chuva. Quem pode dizer se ao caminhar não a terei calcado? Mais tarde ou mais cedo, tudo nada mais é do que memória em reciclagem. Ao olhar para trás, lá no alto, apercebo-me que o arco-íris quebrado continua a ser belo, talvez mais agora, por ser único. Rodeia-me o som das flores a espreguiçarem-se. Respiro fundo e continuo o meu caminho sem mais olhar para trás.

Carícia

A palavra para hoje é resistir. Aprender com o tutano dos antigos carvalhos, absorto à passagem do tempo, sem nunca deixar de lhe sentir a carícia e escolher pensar serem os dedos de um sonho recorrente com medo de ficar sozinho. Já fui poética terra. Hoje sou forte madeira. Amanhã serei água invencível.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A palavra para hoje

A palavra para hoje é movimento. Não vale a pena tentar detectá-lo, pois trata-se de um movimento interior, como quem sente uma presença ao caminhar na noite. Dias, anos de penitência dissolvem-se na lentidão imperceptível e não há fechar de olhos que corte o fluxo do agora. Não queiras nunca tentar antecipar o que vem a seguir. É já outro dia. Ilusão é ter a certeza de ontem não se ter extinguido. Sente o movimento e sorri como se fosse um segredo de infantário.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Waste

Can you taste the waste?
Days and days of endless daze.
Too consciously unaware we get a taste
of a tortuous path not seen as maze.
Because mice we are not and there’s
no quest for crumbs and cheese.
Yet secretly we escape inside the wheel
and run while exteriorizing ease.
Make-believe we turn the page,
that there are no walls, no cage.
The taste, it stings in your fingers like a bee,
then rises to the tongue so you don’t have to agree.
Don’t you see? No books will save you
from your own history.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Lembrança

Um adeus antecipado, sem luz, sem linha
no labirinto terraplanado.
É vasto o pensamento , frágil o testemunho, a passagem.
A água é a informe feiticeira pavoneando-se
ao ritmo do seu próprio murmurar.
As margens confluem. Afinal sempre fui eu dos dois lados.
Como nunca me lembrei que apenas no meio nos encontraríamos?

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Day before tomorrow

I want to tell you about the day before tomorrow,
how it all started forming itself from a single tear,
then grew as a giant looking around, punching in the air
like some crazy boxer fighting with his own solitude.
Oh, how tall can dreams be, so regally slow dancing
within dreams themselves.
We don’t see dreams, we feel them,
and in feeling them, we believe they are somehow real.
A tear can be deliverance,
it can be so strong that lifts all the weight inside.
That’s why heavy clouds mean trouble
for someone with no umbrella.
So, we see, we wait, we hold on for tomorrow,
for tomorrow is dream, but it is also real.
Like a tear is real for a lost memory.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pedaço de Lua

Meu pedaço de lua
vai caindo em gotas como chuva
na cabeça. E todo o cinzento do dia
sufoca e impõe um rosário de memórias especializadas em
ludibriar o guarda-chuva que ficou em casa.
A luz, serpente preguiçosa, vai hibernar fora do tempo
no seu canto caracol de sempre. Inspira artistas, dizem.
A mim deixa-me molhado e sozinho, a caminhar pela rua.
Eu e o meu jukebox mental.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sempre

De que crime falas, afinal?
De intentar na travessia ou de ficar parado?
Não acreditas ou não sentes que a outra margem é também tua,
qual estranho de ti próprio. Receias ir, e quando lá chegares,
talvez descubras o que sempre esteve por inteiro dentro de ti.
Oh mania de tudo fragmentar!
Sofremos por não nos sentirmos inteiros e somos.
E num qualquer truque interior, partimos tudo em cacos
para podermos enfim sofrer por não nos sentirmos inteiros.
E ainda sorrimos quando o cão gira
frenético para tentar agarrar a cauda.
Toda a viagem é sempre um regresso a casa.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Clamor

Um clamor inocente, que nada tem a ver
com doutrina, mas com simples viver.
Quando a revelação acontece, dá-se por ela?
E quando ela não acontece…
Vive-se a vida no engano de cada queda
nos parecer ascensão?
O que eu quero é não querer.
E se nada mais do que um clamor se fizer ouvir,
na distancia, então o que vou fazer
é escutar melhor.

terça-feira, 23 de junho de 2009

...

Nada escrever. Nada mais fazer do que fechar portas atrás de portas, até estar bem dentro do esquecimento, até as portas serem também uma ilusão. Assim, nada mais do que não existir. E ao não existir, nessa simplicidade, finalmente ser.

sábado, 6 de junho de 2009

Voar

Traz-me o sangue dos pássaros
Numa bandeja improvável sem som nem brilho.
Deixa as asas para trás. Fica com elas em segredo,
e as penas, lança-as de umas alturas à tua escolha.
Vou esperar pela sede, esperar pelo desespero
de um luar que nunca vai existir.
Pouco a pouco, da coagulação das horas,
virá a surpresa de um renascer que, por o ser,
não se reconhece.
Depois, é só voar.

domingo, 31 de maio de 2009

Mesa

A mesa está ao contrário, com a perna partida a ser colada.
Talvez fique direita. A mesa está deitada em cima de outra mesa.
Esta robusta, de pé. Nada dizem uma à outra.
As cadeiras em volta estão tristes
porque gostariam de falar do que quer que fosse.
O silêncio está a varrer-lhes o sentido e o pranto.
Quando as coisas são assim, nada há a fazer
senão esperar. Algo sempre acontece.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Maio

Nenhum desalento irá percorrer as veias de flores adormecidas no jogo do alheamento suave das enganadoras tardes de Maio. Com o abrir dos olhos, o bocejar, o espreguiçar, como se dança de salão fosse, assim tão ritualizada, feita sonho de sonhador ocasional. Para que servem esses movimentos, afinal? Eles revelam-se. Basta estar atento e depois decifrar toda aquela multiplicidade de verde por baixo das flores.

sábado, 9 de maio de 2009

Ecce sentire

Eis a Paixão da paixão
instante suspenso no tempo,
depois sepultado num caixão.
Pode o sentido ter sentir e sofrer
como a carne e o pensamento?
Ser flagelado e de seguida,
exposto aos olhares sub-nutridos
da compaixão?
Os dias são respirados
na mecânica inconsciência
da crucifixão. Será isso a alma?
A esperança na redenção?
Não ser a carne a transfigurar-se,
mas o sentir?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Permanence

So this is permanence
Love shattered pride
What once was innocence,
turned on its side
A cloud hangs over me,
marks every move
Deep in the memory,
what once was love.
....................................
Now that I've realized
how it's all gone wrong
Got to find some therapy
this treatment takes too long
Deep in the heart of
where sympathy held sway
Got to find my destiny
before it gets too late.

-Ian Curtis

sábado, 2 de maio de 2009

Apenas

Esta noite, a sensação é de que o amanhã irá desabrochar. Talvez nada mais seja do que o chamamento dos infindáveis campos ou talvez uma mudança no bater de coração. Nenhum luar me encontrará sombrio, nenhuma pesada poeira se transformará em gotas de orvalho. Aqui, ouço a canção de mim mesmo, vinda de longe e compreendo que tudo já está no seu devido lugar. Apenas tenho de escutar.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Aos labirintos

Já não sei que mais fazer.... Se enfrentar, se desaparecer. A esperança é um rosto de muitas faces. Quando se pensa estar a falar com uma, é outra que afinal escuta e ainda outra que responde. É uma comédia tão incrível que não se sabe o que fazer às lágrimas. Por vezes, a esperança nada mais é do que o que menos se precisa na vida. Aos labirintos, digo «basta!». Onde fomos nós aprender este tortuoso talento de tudo estragar?

sábado, 25 de abril de 2009

Não existir

Naquele momento, ele só desejava que o céu todo desabasse sobre si, sobre a sua cabeça, rosto, roupa, sob a forma da mais gorda, fria e torrencial chuva. Talvez assim se sentisse…Se começasse a sentir um pouco mais limpo, um pouco mais leve. Ali, no meio da rua. Olhou para a rua, imaginou-se a atravessá-la distraído e a ser apanhado por um carro que o faria voar e cair já sem memória, sem futuro, sem vida naquela cama de paralelepípedos. Seria com a mais luminosa das surpresas que daria por si exactamente no último momento feliz da sua vida. E depois, nada, não existir.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Speed

Speed is moving real slow
when the whole world
is passing by real fast.
When our speed
and the world's
are the same
we are either dead
or in a state of bliss.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A moment of vastness

A moment of vastness,
a place of eternity.
Nature is all.
From her everything grows
everything flows
everything is everything.
And so may the nature of our ways
be in tune with the one chord
beyond the time and space
that is the soul.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Do outro lado

Pois que caia a noite fictícia,
estampada na grande cortina que nos separa do palco.
Para lá nos encaminhamos, sem receios, sem mágoas,
sem sabermos que para lá nos vamos.
Só será último acto quando olharmos para cima
e a virmos começar a cair.
Quero dizer-te adeus, guardar-te dentro duma gaveta,
render-me à escuridão inventada.
Não me verás de olhos abertos.
Não até estar do outro lado da cortina.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Cilada.

Cilada.
Uma questão de tempo na fornalha indecisa.
O levantar os braços ao céu para chamar a lua,
para a contaminação libertadora do corpo.
Um clamor silenciado sempre na dura caminhada,
aparência pastoral da segurança.
As mãos abrem-se para não apanharem
nem estrelas nem céu.
Abrem-se para deixarem fugir suas sinas.
O destino é um perpétuo jogo de espelhos.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Paraíso

É quando lembro o teu olhar, o teu sorriso. Acontece como uma carícia quando menos se espera. Por isso, mesmo quando não estamos juntos, estamos juntos. Não existe arco-íris entre nós, antes caminhamos sobre ele, onde a única ausência é a da vertigem, pois o mundo está tão lá em baixo e aqui, à nossa volta, nada mais existe do que cor e nuvens. Alguma vez tive medo? Pergunto eu. Algumas vez não foi assim? A capacidade de esquecer dilui-se na capacidade de lembrar. E lembra-se o agora, de mãos dadas. Juntos aprendemos a capacidade de deixar de pensar.

domingo, 15 de março de 2009

O inferno

Não te esqueças de me dizer quem eu não sou. Não é algo que eu precise. Precisaria, sim, de sentir que posso confiar em ti. Mas isso não é possível, pois não? Na aparência da normalidade, caminhamos no fio da navalha e como tal, cortamo-nos a nós e cortamos outros. Se fotografias fossemos, nada mais faríamos do que riscar com raiva as nossas depois de riscarmos as dos outros. Primeiro riscaríamos com lápis afiados. Em dias mais calmos, descobriríamos que tentar apagar esses riscos se revelaria inútil. Os sulcos dos riscos continuariam lá. Com o tempo, isso deixaria de nos afectar e um dia, os lápis ficariam para trás e passaríamos a riscar com esferográficas. Diz o filósofo que o inferno são os outros. Eu diria que ao constantemente minarmo-nos a nós próprios, o inferno somos nós. Todo o mundo está em chamas.

terça-feira, 10 de março de 2009

Dança

Faz de mim a tua solidão. Não olhes para trás ou penses de novo. Caminha perpendicular à certeza dos dias que te fogem apesar do teu doce sorriso. Não deixes por isso de colher uma ou outra flor, assim, sempre ao entardecer. Algures num tempo ainda não sonhado, vais encontrar-me e a sorrir, oferecer-me-ás uma flor. Caminharemos lado a lado por um pouco e depois dirás adeus. Um dia, ainda vamos comparar recordações.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A nossa casa

Deitados na suspensão das estrelas
num vagar de carícias lentas de luz.
A nossa casa é o domingueiro sentir
que ao longe nos pacifíca e seduz.

terça-feira, 3 de março de 2009

Poesia

Fazemos de conta. É o que fazemos. Fechamos os olhos,
acariciamo-nos, mas recusamos confessar não sentir.
O tacto foi-se. E com ele... Estou de saída.
Vou seguir para o próximo apeadeiro.
E como sempre havia sabido, sigo sózinho.
Mas por favor, chega de fazer de conta.
Nada é real a não ser por instantes, bem dentro das nossas cabeças.
E mesmo isso nada mais é do que ilusão.
Não me aventuro neste labirinto.
Escolho a simplicidade do caminho que vou seguir.
A beleza é uma armadilha. O amor, um jogo de poder.
Fazemos de conta, mas podemos escolher não o fazer.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Reinvenção

Há que olhar para as interacções dolorosas dentro de nós e perceber que podemos usá-las, cada um à sua maneira, não para mudar o outro, mas a si próprio. Ao fazê-lo, está-se a caminhar na direcção de uma parceria espiritual. Há que olhar para as partes de nós que precisam de mudar; partes da personalidade que são baseadas no medo, as partes que atiçam, reagem às ironias, que dizem coisas que magoam. Ao falar das partes da personalidade baseadas no medo, falo daquelas que são ciumentas, vingativas, que se sentem superiores, inferiores ou sentem a necessidade de agradar, que se acham no direito ou acham que a ele não têm. O medo de não estar à altura das expectativas, nossas e dos outros, medo de rejeição. O medo supremo é aquele em que sentimos que não somos suficientemente bons. Usar estas interacções para crescer emocionalmente, tornar-se mais consciente, tomar decisões responsáveis baseadas nas próprias intenções e delas tornar-se consciente, porque é isso que se está a criar. Quando alguém nos fere, a reacção é ferir de volta e o feito dessa energia é-nos devolvida na mesma proporção. Percecionar as experiências dolorosas como algo criado por nós e ao fazê-lo, ao senti-lo, os padrões interiores e consequentemente exteriores começarão a mudar. Perde-se muito tempo a tentar mudar o outro. Temos um sonho para nós e para a nossa vida. Não se trata de estar ou não em sintonia. Há que olhar para as partes de nós que nos impedem de exprimir amor. Não se consegue amar quando se julga, se critica, se culpa. Numa relação espiritual, o compromisso não é com a relação mas com o crescimento espiritual, porque só assim se cria a relação que se deseja.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

S/ Título


Não estou à espera que a
montanha venha até mim,
nem vou até ela;
construo-a já comigo no cume.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Soft landing

It still reminds me of the way,
The soft and bumpy way of your smile.
No warm sand in the world would describe it
And I certainly won’t.
Yet, you don’t wear it today and I will not ask why.
We’ll carry ourselves in the blue air, not looking down,
Not facing the path or even each other.
But on our way down, eyes closed
And surrender in our hearts,
We’ll know, and we’ll know
For a long, long time.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Enfrentar os dias

Se te dissesse que não consigo dormir, dir-me-ias que não consegues dormir também? Que sonhas todos os meus sonhos e vives todos os meus maus dias? Em nome da tranquilidade de espírito, aniquilamos o espírito. Sentimos, mas sem sentidos.
Para que quero os dias? Porque enfrento as noites? Nada agradável, viver a eternidade. Nada mais senão pensar em pôr-lhe fim. Acorda, alma penada, acorda. Precisas de ganhar sono. Precisas enfrentar os sonhos e dentro deles, sentires que podes enfrentar os dias.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

(mais um) Poema à claridade

Da mestria das esquinas obscuras já pouco se sabe.
E porquê? Porque a contaminação acaba sempre por chegar.
Ninguém lhe sente o cheiro, ninguém a vê,
e o instinto é uma criança sozinha no parque de diversões.
Por entre o nevoeiro e as chaminés fumegantes,
quando olho para cima, convenço-me de que não é um sonho,
que é o dia mesmo a nascer.
E ontem… Tudo estava apenas fora do lugar.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Ferida

Suicídio sentir, suicidário criar tijolo a tijolo o muro que nos une. Afinal era sozinhos que falávamos. Assistido desistir na intermitência da linha cada vez mais constante. Não haverá sangue ou sono, mas um deixar de existir na ausência de espanto.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Nem sempre

Ser
etéreo.
Ser
miragem
sólida
como sonho.
Ser
passado
presente,
ser
para sempre.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

24.01.09

No labirinto das paredes altas
A cauda do gato sempre escapa
À calcadela. Depois de tanto se correr,
Depois de tanta esquina se virar,
Fica-se com a sensação
De nunca se ter chegado a partir.
Do outro lado, pensa-se sempre
No outro lado. O outro lado
É aqui. Deste lado.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Not here

Everybody is not here.
Everybody is somewhere else.
And when I'm somewhere else...
Everybody's here.