domingo, 25 de abril de 2021

Requiem

 

 Qua, 09/01/2019 22:32
Sei que este tema (requiem por um amor assassinado) te é familiar. Se gostas muito, podes utilizar num desenho teu. Podes pôr aspas e um enigmático MS.

"REQUIEM
o teu gesto de oração
ao acender o vinho
e respirar os caminhos do mar
onde andávamos
a trote sem relógio nem memória
a casa semeada de pacotes mistério
no amanhecer do dia dos meus anos
o teu tronco nu
debruçado sobre o jornal em músculos
e nervos suados pela noite
o nosso chá nas mãos
misturado com sílabas exaltadas
o coração terno solene
percorrendo as missas de Bach
e velhos slows esquecidos
tudo isto partido num só golpe
num só murro bem no centro da mesa
das celebrações
tudo isto decepado a frio
com a faca da desolação
tudo isto lançado ao sal
de um quadro de Turner
caído no chão
depois o silêncio
depois o grito das aves
ao fechar do dia
no Castel Sant'angelo
depois nada"
 MS

domingo, 4 de abril de 2021

A mulher e o seu cão



O cão, elevado, na retaguarda vigilante

numa canzana por cumprir.

A mulher, verdadeira fugidia esfinge,

pés ausentes fincados. É a sua

imobilidade e expressão a convocarem atenção,

e de seguida, os novos cabelos brancos

na negra cabeleira tão saudosa

por ter sido grades da jaula para mim criada.

Não fugi, expulsou-me e manteve intacto

o enigma incandescente.


O cão olha para um qualquer horizonte longínquo.

Essa é a sua essência segura e tranquila.

Ela, quem sabe para onde olha?

Para dentro de si, talvez.

Para todos os segredos plantados

pelos caminhos. Alguns deles eram pura delícia,

alguns deles eram ácido e amoníaco.

Olha o futuro, os caminhos perdidos, estropiados.

Olha o futuro encarquilhado, incerto. Em desafio.

É essa a incerteza no seu olhar:

temor, inquietação, mágoa.

A arrogância num enigma

no qual se deixou emparedar.

A esfinge é o olhar.