sexta-feira, 31 de agosto de 2007

o último poema

Inquietação,
do princípio até à madrugada,
enquanto o gordo ar aparta a paisagem
com a crepitação da dança das flores.
O desnudado canapé das árvores
estabelece o ambiente no qual nos movemos,
espirituosos zombies, receosos da escuridão.
Encontramo-nos mutuamente
e perdemo-nos de novo num carrocel mágico
de desesperança.
Mas não deixamos de estar de olhos
no amanhecer.

O efémero mel das palavras

As palavras deixaram de existir. Nada, a não ser nossas memórias, pode provar que existiram. Como miragens, foram certeza por um momento e extinguiram-se. Foram o espanto do movimento da folha que da árvore se desprendeu, sem testemunha, ou a onda do mar repleta de flores que eu juro ter visto quebrar-se na areia, quando era criança. Ou a jovem com vestido côr de rosa que por segundos vi na paragem enquanto o autocarro retomava seu andamento. Poderia ela ser assim tão bela que se cravou na minha memória até hoje, 25 anos depois? E hoje? Foram para onde as palavras, feitiçeira? As minha veias foram para ti caldeirão onde o meu sangue ferveu de desejo. Para onde foi o mel que escorreu de nossas bocas? Sim, desejo possuir-te de novo, entregar-me a ti para que me possuas. Quero as palavras sussuradas, quero o momento, a miragem, enganar as leis da física e dobrar todo o universo, os tempos, as pessoas que fomos, dizer-lhes que tudo vai correr bem. Quero as tuas sensações em mim. Quero o momento à velocidade da luz. Dá-me a tua mão, feitiçeira, caminhemos juntos na estrada que as nossas palavras construíram. O momento...Já ninguém nos tira.
-Dedicado à S.

...Do sentir

Sentir, sentir a música interior, antes dos constrangimentos do medo, da desconfiança. Eu sinto e o que sinto por aqui vai ficando guardado, como cartas fechadas e cheias de pó, descobertas num canto duma gaveta, muito tempo depois de por cá ter andado. Descobrirão que um dia eu existi para lá das construções que de mim fizeram. Amei e fui amado e isso afinal não foi o fim do mundo, antes o tornou mais bonito por algum tempo. Aliviei nós de garganta e apertos de peito, chorando lágrimas inacreditáveis, sabe-se lá porque motivo.
Meu deus! O que o faria chorar? E ele responderia que chorava porque sentia, sentia toda a bondade do mundo apoderar-se dele e esvair-se pelo seu renovado olhar. Chorava de compaixão por todo o medo que nas pessoas conseguia adivinhar e tornaram a sua existência um pouquinho mais pesada. Sim, ele esteve um dia, na beira da falésia e vislumbrou o sentimento de todo o mundo e comoveu-se com a realização de afinal estar tudo ali, à mão de semear. Bastava fechar os olhos em rendição e sentir.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Estranho vislumbre II

Sim, eu estive um dia ali. Quando para lá olho, será a memória que vejo dentro de mim ou estarei mesmo lá, de algum modo num jogo de espaço e tempo? Se assim é, não consigo deixar de sentir uma estranha ternura e compaixão por aquele que ali esteve um dia e ainda lá está, ainda que provavelmente sob a forma de uma recordação. Poderá ver-me? Antecipar-me? Ou continua no seu deslumbramento por aquele céu? Pelo Sol, de psicadélica cabeleira de nuvens e múltiplas projecções de luz, a beijar o horizonte oceânico e onde minutos antes um miúdo me havia perguntado o que eram as ondas e eu não tinha sabido responder. Não, eu não estava sob a influência de nada, apesar da intensidade demente daquelas cores.Quando ela veio ter comigo e me abraçou, beijamo-nos devagar. Acho que nessa altura tive um súbito vislumbre de um futuro presente e ele adivinhava-se belo e cheio de surpresas como aquele pôr do sol.
Hoje, estou de novo aqui. Não exactamente no mesmo sítio, mas noutro que me permite ser espectador do meu passado. Está um anoitecer aconchegante. Deixo-me ficar, observador do ocaso que já lá não está.
Eis o momento aberto à queimadura da pele hesitante. Por fim repousa nas bordas do dia. Assim sobe-desce degraus conforme o uniforme do momento. Na mais paralizante paisagem se decide por vezes a dor futura, em religiosa felicidade. O amor é um vazio dolente aguardando o desperdiçar da vida. Nenhum vislumbre se avizinha. É sempre tempo de acabar. Quimera: deixo cair a cabeça entre os joelhos, abandono-me neste cliché crepuscular. Quero acabar. Sonho continuar.Não existe monte sagrado. Existe o amor e as micro-revoluções interiores, mas até estas acabam por fatigar a idade, esquartejando-se. Não, não existe dia seguinte. A noite seduz, a lucidez torna-se espera. Espera, ideia fintada, espera, habituei-me ao teu labirinto. Sei que dentro deste esvair existe grandeza, portanto, Amor, espera o pé-ante-pé dos dias. Eu aqui fico. Há sempre um último toque redentor. E sempre um novo dia que nasce.

Predominância de azul


De presentes e palavras,
encantos e passos de caranguejo,
uma fresca neblina atlântica
invadiu toda a esfera celestial
e o magnífico azul filtrado
pela emocional gaze dos sonhos.
Todo o mundo foi melhor naqueles dias.
Sorvete a derreter-se
no feitiço da beleza sussurrada,
da beleza vislumbrada.
E havia doce certeza em tudo aquilo,
como a certeza sentida
depois de se estar sentado num tapete voador.
O azul, dádiva impregnada com o mel dos dias,
ansiosos dias de deixar a teia de mastros cumprir-se
face ao arrebatado horizonte.
Eles voltarão quando a espera desesperar no azul
de um dia feito carmim. Eles voltarão.
Mas ao voltarem, por entre as lágrimas,
estarão a partir.

Aqui agora

«...all those moments...will be lost...like tears...in the rain.» -in Blade runner

De onde vem esse sabor enigmático? Esse sabor como quem põe roupa do avesso?
E então o queixume ziguezagueia, julgando-se uma qualquer ondinha do rio. As palavras esculpem-se no granito aquecido pelo sol e as migalhas caídas exorcizam as résteas de significado em si contidas. Tudo podia jorrar de perfeição se a brisa da tarde transportasse um pouco de cheiro da erva, mas é o mar o rei e aqui nem mar há. Podia ser uma daquelas cidades mediterrânicas em que nos imaginamos a caminhar devagar com o amor da nossa vida, afinal dentro de um sonho. Mas não haveria desilusão, porque a memória perpetuaria o instante. Sim, apesar de tudo, momentos há em que, como se de uma compaixão se tratasse, sentimos a infindável beleza de estar aqui agora.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Quebra-cabeças

1
Segue os passos ou liga os números.
A tristeza é uma estação imprecisa.
Não há deslizar das folhas para o chão,
o sol aquece as gotas de chuva,
aquelas unidas no arco-íris cadente.

Mas podes sempre esperar o comboio,
qual inocente testemunha de um crime por acontecer.
São os teus olhos a ditar a suavidade do dia.
Liberta as estrelas.
Sorri, como só uma mulher sabe sorrir,
como se soubesse algo que mais ninguém sabe.
Essência da feminilidade.
E assim também se tempera a delícia de o seres.
Mulher.

2
Um poema é um quebra-cabeças,
cada palavra contraria a anterior
encaixando-se nela.
Um jogo. Cabra-cega.

Sente as minhas mãos, amor.
Elas recriam as palavras na tua pele,
puxam-te para fora da gruta
onde o frio e o escuro alimentavam
teus filmes mentais nos quais as lágrimas
conduziam sempre a finais felizes.
Daí a tristeza.

Ao longe...
Sim, o lamento do comboio.

3
Do you hear?
A whisper... He came back.
And wants you to know he was never far.
There are days such as these, full of bumps,
and suddently, like a birthday gift,
everything is fullfillingness.
He's by your side and whispers
that the light was always within you.
It illuminated him, warmed his face,
gave him back a gentle vision of life.
(Can it be possible?...)
And now he came back to tell you
that tears will be but honey sweetening life,
emotions, the passion of kisses.

Listen... Fragile as a wisper...

Um estranho vislumbre

I
Um estranho vislumbre, de não estar realmente lá. Os olhos, sim, os olhos. Eles encontram-se, embora fechados em algum tranquilo êxtase. E sentamo-nos na fresca erva de Verão, quase escapando realizar que tudo faz sentido por um momento. A este momento, lidamos com amor e com amor descobrimos a intemporalidade.
Um estranho vislumbre pela vaga brancura da minha memória de ti. A vontade de contemplar para lá dos teus olhos, numa cena de Paixão de luz solar e sombra, numa carícia impressionista da tua esfomeada pele. Sim, está quente em nosso redor. Tudo está como devia estar. Num estranho e simples vislumbre.

II
Nada retenho da assustada madrugada, do desabrigo aconchegado e transversal das fugidias palavras, numa espera quase sensual a desaguar desilusão. E aquelas vidas futuras que ficaram por viver, algures no éter da imaginação, sim, todas elas se vão cumprindo dia a dia, como capítulos de livros da biblioteca do invisível. Está lá tudo, apenas nunca aconteceu.

Exorcismo da lua


Uivo minguante


Desígnios do absurdo


Nascimento do suave enigma