terça-feira, 28 de agosto de 2007

Estranho vislumbre II

Sim, eu estive um dia ali. Quando para lá olho, será a memória que vejo dentro de mim ou estarei mesmo lá, de algum modo num jogo de espaço e tempo? Se assim é, não consigo deixar de sentir uma estranha ternura e compaixão por aquele que ali esteve um dia e ainda lá está, ainda que provavelmente sob a forma de uma recordação. Poderá ver-me? Antecipar-me? Ou continua no seu deslumbramento por aquele céu? Pelo Sol, de psicadélica cabeleira de nuvens e múltiplas projecções de luz, a beijar o horizonte oceânico e onde minutos antes um miúdo me havia perguntado o que eram as ondas e eu não tinha sabido responder. Não, eu não estava sob a influência de nada, apesar da intensidade demente daquelas cores.Quando ela veio ter comigo e me abraçou, beijamo-nos devagar. Acho que nessa altura tive um súbito vislumbre de um futuro presente e ele adivinhava-se belo e cheio de surpresas como aquele pôr do sol.
Hoje, estou de novo aqui. Não exactamente no mesmo sítio, mas noutro que me permite ser espectador do meu passado. Está um anoitecer aconchegante. Deixo-me ficar, observador do ocaso que já lá não está.
Eis o momento aberto à queimadura da pele hesitante. Por fim repousa nas bordas do dia. Assim sobe-desce degraus conforme o uniforme do momento. Na mais paralizante paisagem se decide por vezes a dor futura, em religiosa felicidade. O amor é um vazio dolente aguardando o desperdiçar da vida. Nenhum vislumbre se avizinha. É sempre tempo de acabar. Quimera: deixo cair a cabeça entre os joelhos, abandono-me neste cliché crepuscular. Quero acabar. Sonho continuar.Não existe monte sagrado. Existe o amor e as micro-revoluções interiores, mas até estas acabam por fatigar a idade, esquartejando-se. Não, não existe dia seguinte. A noite seduz, a lucidez torna-se espera. Espera, ideia fintada, espera, habituei-me ao teu labirinto. Sei que dentro deste esvair existe grandeza, portanto, Amor, espera o pé-ante-pé dos dias. Eu aqui fico. Há sempre um último toque redentor. E sempre um novo dia que nasce.

1 comentário:

Rosa Maria Ribeiro disse...

Sempre o passado, sempre o presente e talvez o futuro. As certezas já estão gastas meu amigo!