Um mapa, nada mais que um mapa. Pouco importa as direcções e as distâncias. Os segredos são luzes obscurecidas pela patine do tempo. E quando nas encruzilhadas, para quê recear? Vai-se por aqui, vai-se por ali... Importa as ligações feitas pelo caminho e o que se deixa para trás.
Não havia maneira de o encontrar. Foi tentando recordar sistematicamente, dia a dia, cada vez mais para trás, sem que o conseguisse encontrar. Fartou-se de pensar, passou horas de olhos fechados em esforçada concentração, folheou páginas de palavras doces, páginas de palavras amargas. Começava já a duvidar se eles tinham mesmo acontecido, aqueles beijos dados e sorvidos como delícias de sentir. Até que, quase por acaso, num papel insignificante, escrito a lápis, ali estava o registo do último beijo dado com amor... Não era fantasia, tinha acontecido mesmo, muitas vezes até. O que aquele tinha de especial era o facto de ser o último. Por uma poeira de instante, foi real, foi agora de novo. Todos tinham sido deliciosos, apaixonados, mas havia dois especiais: o primeiro e o último. E finalmente ali estava o registo do último beijo, como que para validar a memória, como se ajudasse a desbloquear toda a mágoa nublada cobrindo a memória. Pensou no beijo, pensou na noite em que, ainda com o sabor dela na boca, escreveu os eventos desse dia. Ela já ali não estava, mas por entre as lágrimas tiranas e lentas, ele havia finalmente reencontrado um pouco do que perdera.
Esperança, poderiamos por vezes perguntar o que é isso? Hoje, é como uma caricia no meu rosto. Sinto o devir como algo que faz sentido. Mas é tão frágil e tantas vezes fugidio. Agora é assim, mais logo talvez não seja. É na constância deste sentir que se encontra muita da tranquilidade e mesmo felicidade quotidiana.
Quero falar de coisas positivas, de vozes amigas, dos espaços azuis entre as nuvens. Quero falar da alquimia do sentir, do ser, dessa espécie de sacerdócio a que nos votamos dia a dia. Quero dizer que acredito, que não existe outro caminho que não seja um caminho de acreditar. Acreditar em mim próprio e no caminho que vou construindo. Neste olhar para mim próprio, que nada tem a ver com espelhos, é um olhar tudo o que me rodeia com a compaixão que a própria vida inspira. Que fazer da inconfessada solidão suada gota a gota pelos poros? Não, por este sentir não gostamos de nos ver. O medo é segurança e a insegurança, matura prudência. Assim, onde está a realidade do que sentimos? Sentimos livremente? Ou sentimos com o peso e receio do passado? Porque preferimos estar num perpétuo choque com a densidade do passado? Que bengala é essa que nos faz caminhar cambaleantes? Quero falar de alquimia. Das possibilidades que somos a cada momento.
Já não consigo olhar para o horizonte que os montes fazem e o céu carregado de nuvens sempre acolhedoras. Nem tão pouco a luz sempre diferente, ou as refeições partilhadas num temido agora. Tudo isso é memória, tudo isso é o sal das lágrimas, um tempo que já não é mais o nosso.