quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Pensamento para 2008

Chorar, respirar,
renascer, sentir,
desfolhar o vento
no interior carmim das pálpebras.
Renasce o sonho
e tudo se revê, se reencontra
pela primeira vez.

22-12-2007

Tenho sorrisos na ponta das lágrimas
e o sal da brisa mistura-se no sonhar
ainda por parir.
Assim é este meu momento caracol
onde o som das ondas dança
ao ritmo da batida de meu antigo coração.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Momento

O ar está quente e o ritmado som dos grilos parece torná-lo ainda mais. Sente-se o cheiro verde da terra e o som ocasional dos pássaros atiça uma sensação que não é logo identificada. Uma sensação de cores mais vivas, de tudo se desenrolar mais languidamente. Os raios de sol por entre os pinheiros, como se fossem código morse acariciando a pele. Num instante que se vai desdobrando, há um gradual aperceber-se que estar ali é perfeição. Que coisa estranha de sentir. Mas sim, as nuvens já se haviam dissipado e o mundo era azul. Há ainda toda uma vida para viver. E tudo vai correr bem.

Sabias?

Contingências das almas jovens, serem inquietas, mas não são menos sensíveis por isso e serão certamente mais luminosas. O mundo necessita delas, sabias? O mundo e a sua alma anciã precisam de ser iluminados por travessas faíscas na longa noite. Acredito que é por isso que existe orvalho ou porque o amanhecer tem sempre um cheiro como nenhuma outra parte do dia. Talvez sejam as utopias que vão dormir ou o limbo entre mundos que se abre devagar como uma concha e nos presenteia com mais alguns dos seus medos. Ou então, talvez seja a matéria do sonhador que chama pela alma para que ela corra depressa para seu mortal casulo. Seja como for, tudo faz parte do grande desígnio da Natureza.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O sorriso da minha ferida

Inebriantes são as miragens. Fresca é a água que nela imaginamos. A eternidade do momento acontece quando o tempo que passa é o tempo do amor, apenas saciado com o sal da pele amada. Tudo é mais real pela simples razão de não existir e o doce futuro que não vivi, deixou rugas no meu rosto e mais brancas no meu cabelo. Mas agora quero este instante, sentir-lhe a lâmina penetrar meu peito, quero dar-lhe o meu sangue, toda a mágoa regenerativa se esvairá no sorriso da minha ferida. Quero olhar à minha volta e nada mais ver do que o deserto e lá ver apenas o que lá estiver.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Crescer

Crescer, quando ao crescimento se resiste, é um processo doloroso. Mas como abrir a mão das certezas acumuladas ao longo de anos de existência? Há que ter consciência, cultivar um espírito aberto. Se uma ideia, uma noção melhor do que aquela que se tem, pelos ouvidos entra, então há que desistir da nossa cristalização, da nossa certeza interior e abraçar a nova. É assim a mecânica da evolução intelectual: estar consciênte da necessidade da reciclagem daquilo que interiormente faz de nós o que somos, num constante processo evolutivo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Elogio da fé

Lidar com o invisível…Diz o Principezinho: «O essencial é invisível aos olhos». Como sabemos então o que é «essencial»? Sentindo. Mas isto levanta uma questão: no filme «Contacto», perguntam à personagem principal, que é alguém de espírito empírico, racional e cientifico, nada religioso, se ela amava o seu falecido pai, ao que ela responde que sim, claro. Então pedem-lhe para o provar.
Sentimos dentro de nós, pela manifestação da química cerebral, que estamos num estado de apaixonamento, que existe alguém importante para nós, que desejamos… E por isso não necessitamos de prova sobre algo que nos é interior, que sentimos. Mas como acreditamos quando alguém nos declara seu apaixonamento? Acreditamos? Duvidamos? Acreditamos porque precisamos de acreditar? Acreditamos no outro porque nele reconhecemos aquilo que nós próprios sentimos, agora ou no passado? Acreditamos porque temos fé no presente e no futuro?
A fé é a ponte. Não vemos, não apalpamos, no entanto algo dentro de nós diz-nos que é real. Sempre foi assim e ainda que só para mim, não é por isso menos real.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Contorcionismos


1
Contorcionismos
na penitência dos doces desejos
de mil cores e sabores.
No tactear das estranhas dobras
encontra-se resolução,
uma força desfalecida dos céus
molhados de felicidade.
Contorcionismos
no serpentear do auto-segredo.
Não há renascer que não se queira.
Escrevem-se as palavras feitas cinza,
e delas eleva-se a beleza estranha de ser.

2
Verde sorrir com aroma de bebé
deriva dos picos das folhas da erva
nas palmas dos pés da recordação.
Verde peito por dentro respira
ar do Verão e revive-se
o beijinho ainda a saber a piscina.
Sorrir aroma dos pinheiros
amanhã irei ser grande
e meu sorrir será maior
assim como a proximidade do sentir.

3
Vem, minha irmã,
voar com as asas
das mais inocentes memórias.
Como cresce um estranhamento interior,
qual fome informe debaixo da pele
a querer sair.
Rezamos esta espera
que é fado do que nascemos.
Não tarda, teremos pernas para correr.
Não tarda, teremos pernas para correr.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Incógnita

Amor cresce verde
na fórmula incógnita dentro.
Amor cresce e definha
perante a surpresa da vida.
Amor cresce fractalmente,
pavoneia-se à cegueira
e depois...
Subverte de novo sua alquimia.

domingo, 25 de novembro de 2007

Sentir

A alma não tem olhos mas vê. Vê certamente com o nosso coração e àquilo que vê, nós chamamos sentir. E o sentir sustenta-nos. Mais do que manter-nos vivos, faz-nos viver.

A morte do dia

I
O desejo presente projecta a sua sombra
na húmida língua em reclusão, à espera do dia,
do exacto momento do medo da impossibilidade
da capacidade de resposta imediata.
Esse medo vítreo oculto pelas ideias e comportamentos
considerados aceitáveis.
Respirar fundo.
II
Eis o momento aberto à queimadura da pele hesitante.
Por fim repousa nas bordas do dia.
Assim sobe-desce degraus conforme
o uniforme do momento.
Na mais paralizante paisagem se decide, por vezes,
a dor futura, em religiosa felicidade.
O amor é um vazio dolente
aguardando o desperdiçar da vida.
Nenhum vislumbre se avizinha.
É sempre tempo de acabar.

Paisagem

Uma paisagem breve.
Seara já não existe.
Os ideais ceifados pela imóvel mudança.
A saudade partida ao meio
inunda já os corvos do meio dia.
Das lágrimas caídas da sua ascenção,
brotará um novo horizonte.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Quando para mim olhares

Há em mim uma tentação desconstruindo-se, no vórtice místico do bafo das feras. Hoje não haverá ruína, vestígios, restos.
Quando para mim olhares, verás o instante em que aqui estive, alheio à História. Quando para mim olhares, se olhares, talvez reconheças o antiseptico desejo de libertação ou o que quer que isso seja. Há que proceder ao branqueamento do olhar.
«Em todas as questões, não perca muito tempo a pensar.»
Os outros que chafurdem no sublime. Eu quero o despojamento, sem heranças, sem referencias. Quero o novo, quero a utopia, bem dentro desta putrida praia, onde sonhei com a alegre mortificação das hienas, doentes de cultura.
A vontade ergue-se, desmorona-se. Nada dizer. Técnica, sangue, vontade conciliada com nenhuma maneira de fazer. Extraviadas instruções, talvez repudiadas.
E quando para mim olhares... Sim.

domingo, 18 de novembro de 2007

Confronto


Cá nesta Babilónia donde emana
a persistente vibração de luz que devora
os frágeis fugidíos pensamentos a pulsarem
bem dentro do peito,
sem possibilidade de fuga,
despertam os adormecidos corpos
perdidos em sonhos criteriosamente alfabéticos,
ignorantes da futilidade de tudo aquilo.

Eis chegado o instante do confronto
adiado vezes sem conta.
O ajuste de contas surge por trás da porta,
e no jogo brutal, sedutor das sombras,
desfere o golpe auto-inflingido.

Assim se fica possuído pelo esfomeado desejo
de se ser pela morte sodomizado.
Assim se ajoelha o penitente,
em profunda negação
da sua descrença.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Transição

Sair de um lugar demencial
para a súbita luminosidade do jardim.
Todos os olhares ainda permanecem
por algum tempo. Ou será talvez a memória?

Os passos dados, logo esquecidos,
por serem dados na suspensão do presente,
são vôo sonhado com asas feitas de pó.
Tudo nada mais é do que transição,
Diálogo entre passado e presente.
O futuro é pura imaginação.
É a luz de estrelas que ainda aqui não chegou.
E no espaço de um pensamento, de um passo,
de uma vida inteira, o verbo principia.

O rodopio da vertigem de vozes
distancia-se enquanto é desfiado
Até à mais pura essencia primordial.
Depois nada se é e um dia nasce-se outra vez
e tudo se repete.
Habita-se o momento contínuo da vida,
respira-se a cor das flores
ou cai-se na consciência da repetição.
Mas nada se repete realmente.

Inquietação

Gostava que de algum modo, nem que fosse por um instante apenas, sentisses a inquietação, delineada como um rochedo. Um pulsar a esvair-se. A convergência para o lugar mais feio do mundo. Diz-me porque não hei-de ter medo?
As vésperas. Viver na suspensão marmórea. Progressão incurável e sabe-se o fim. Não qual, mas desconfia-se.
Meus amigos, falar do fim não é necessáriamente falar da morte. Mas a beleza da ideia, por estar para além de qualquer toque, como que roçando a invisibilidade. Referir o que se deseja é anular o desejo. Daí a sobrevalorização do sonho. O sonho serve para realizar coisas, nada mais.

Sei agora

Sei agora o que será a manhã.
Sei do vento, sei da chuva,
sei do sol. Essa voz
onde a aridêz se detém...
Sei que ser feliz é enquanto
a gota de chuva explode.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Estar aqui

Estar aqui hoje, pensar e sentir desta maneira,
significa o quê, afinal?
A capitulação?
A elevação?
Nada disso. Significa que o tempo passa.
Significa olhar pela janela
e ver as pessoas a passar.
Significa que sentir é agora
e agora tem pouca importância.
Enquanto outros pavoneiam as penas
e gritam longe no bosque,
tu resistes, tu saboreias.
Não, não é temor, é sabor.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

No longer

No longer sun or moon alone,
no longer breeze, water,
footsteps or even words.
What then? What now?
Maybe an idea before the idea,
a soul tattoo, a dawn of time.
Life is full of sadness and surprises.
Sometimes we’re ready, sometimes we’re not,
but happiness is something we crave for a lot.
No longer pain or pleasure alone.
Life is as bright as the sky before dawn.
No longer faith or hope,
no longer me or you, no longer me and you.
And now that everything is said and done,
we will share any kind of moon,
we just wont stare at the sun.

domingo, 4 de novembro de 2007

Distancia

Pudera eu ser distancia de astros da guarda
nas noites ignorantes do desejo em forma de cubo.
Minhas seis faces ou seis sentires irradiariam seu sol
sempre breve nas mesas das esplanadas
onde ainda se embala o mar ao longe.

O avião que passa,
o barco que pesado parece na linha do horizonte.
Eles são o romance dos dias,
raiar de possibilidades.

Vou ter de esperar pela noite,
pelo antecipadamente aguardado gesto
que nunca vai chegar
e aceitar a minha vassalagem
às palavras paridas dos pensamentos
indomáveis.

Um dia destes revolto-me
e não te exprimirei.
Definharás dentro de mim.
Serei teu breve cosmos.
Da tua extinção, brotará a flor
da minha pele rasgada, mas grata
pela catarse da doce dor provocada.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Luz cíclica

Luz cíclica para quem tem os olhos
a dar boas vindas ao mundo.
Uns dias, a luz acaricía,
outros, leva-nos a cerrar os olhos.
O truque não está em caminhar
quando a luz nos acaricia,
mas em sentir a pulsação do mundo
quando a luz nos obriga a fechar os olhos.

Um sabor agradável na boca

Ocasionalmente acontece: tem-se certezas. Aí, torna-se mais fácil tomar decisões que de outro modo evitariamos tomar. Mas nestas coisas, dou sempre preferência ao princípio da incerteza, porque é ela que nos impulsiona para a frente. Às minhas estimadas incertezas e às certezas dos outros, eu digo «boa noite, foi um dia bom, está tudo certo, no seu devido lugar.» Já sei que amanhã vou acordar com uma daquelas dores de cabeça. Pode ser que seja suavizada com a memória do sonho que tive e do qual tive pena de acordar. Quimeras, alguém que nunca se vai conhecer, um sabor agradável na boca, depois de um longo beijo, talvez um lugar estranhamente familiar quando por ele passar daqui a 5, 10 anos. Decidir que a vida é bela, que é domingo e não terei necessáriamente de trabalhar. Decidir não tem de ter nada a ver com certezas. Sei que existem respostas e elas já estão todas dentro de mim. Algumas delas, só terei de as encontrar. Ou com sorte, deixar que algumas delas venham até mim.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Reflexos de estimação

No vidro da minha janela adivinham-se por vezes reflexos que parecem tentar jogar ao sério comigo. Se me concentrar no silêncio circundante, começo a distinguir as vozes que deles se vão desprendendo, quase como se fossem murmúrio das árvores nuas em noite ventosa. Aconteceu já ver um rosto, ou talvez mesmo só um olhar e pela beleza e sensação de bondade, não sentir a mais pequena inquietação ou medo. Depois racionalizo e digo para mim que são os reflexos provocados pelo suave ondulado da superfície do vidro da janela. Mas as vozes, cantando doces embalamentos, como se convocassem meus sonhos... Imaginação? ilusão de acústica? Uma destas noites, ouvi pela primeira vez, não o calmo murmúrio, mas claramente as palavras "Entrega o teu olhar e verás mais longe". Seria sonho? Alucinação? Não sei. Não tenho visto os meus reflexos de estimação. Gostava de os ver, de os ouvir de novo. Se voltarem a aparecer, gostaria de lhes perguntar algumas coisas. Será que respondem?

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Antes de adormecer

Deitamo-nos com o mínimo luar que nos murmurava uma canção de embalar. Novos horizontes aguardavam a escuridão do sono, como a tela ansiando a tinta. Senti a carícia da tua mão no meu rosto e não me lembro de mais nada.
Ela olhava para ele, para a sua gentil perfeição. Sabia-o seu para sempre e respirava a vida tranquila, plena. Imaginava pequenas histórias sussurradas no ouvido dele e deliciava-se quando um sorriso era esboçado. Ela estava feliz e sentia-o, sabia-o, saboreava-o feliz. Por fim adormeceu também, embalada pela lua e pela saciada respiração dele.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sem título

A minha sombra projecta-se aqui um pouco independente de mim, delineando cantos antes não apercebidos. Este é o meu espaço e tu convidaste-me para lá. Como suportas o meu peso com teus pés? Por momentos, senti que eras tu a dirigir-me, serpenteando por entre as pontas de cigarros. E quando me sinto no mais improvisado abandono, é contigo que falo, embora nunca respondas, mas sei porque o fazes: queres sempre que seja eu a encontrar respostas no teu negrume.
Minha sombra...Digo eu.
Meu corpo...dizes tu.
Quando sinto que o mundo está ao contrário, escondo-me em ti. Sempre tiveste essa generosidade. E quando de ti me fazes de novo emergir, faço-o com renovado desejo de enfrentar a minha própria criatividade, deixando-a seduzir-me. Aí, tudo é luz e sabes o que isso quer dizer...Penso eu, com um sorriso nos lábios. Andas por perto.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Sintoma

As longas esperas por trás da porta,
com um olho no que se passa para lá da janela.
E é a chuva a estatelar-se nos vidros,
a gerar dentro a aquecida memória
a enrolar-se feita caracol
no qual o pescoço se aconchega.
Jugular é palavra que não ocorre nestes momentos.
Mas às vezes pensa-se, pergunta-se
sobre a razão entretanto esquecida de estar ali.
E podem passar-se anos, vidas até a imagem
se deter, qual suspense de slotmachine.
Tudo é possivel antes de parar.

domingo, 7 de outubro de 2007

As árvores vulgares

De todo um intrincado sistema
pode desprender-se o murmúrio
por entre os espaços vazios
das árvores.

E todos os aflitos receios da infância
brotam à flor da pele,
soprados por clarins nocturnos,
escutados à distância,
pelos troncos dos pinheiros.
Eles escondem o balanço dos dias
em sazonais cumplicidades.

Sonhei-as assim, as árvores ausentes,
recordações das manhãs de domingo.
O que já lá não está, mas perdura.


quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Deêm-me um pouco de amanhã e serei feliz.


Hoje vou sorrir meu melhor e alegre sorriso, contar as estrelas na minha imaginação e dar graças por estar vivo, por viver a felicidade e mágoa do quotidiano. Vive-se com a cabecinha pejada de mitos e frases feitas, aguardamos príncipes e princesas encantadas, procuramos desesperadamente agarrar o momento... Enfim, artifícios para não sermos aquilo que nascemos para ser: nós próprios. Ser a minha própria pessoa...Mas que coisa tão enganadoramente simples de ser. Nestes últimos tempos, tenho ouvido muito a referência ao momento, vamos agarrar o momento, nada mais temos que o momento, o momento é nosso... De que me serve viver unicamente o momento se não tiver uma noção do que será o amanhã? Apenas viverei plenamente o momento, se estiver de algum modo tranquilo em relação ao dia seguinte. Estaremos  condenados a não ser felizes? Não, porque temos o momento. Que contradição... Do mesmo modo que, apenas olhando para trás na nossa vida, enquanto vemos talvez fotos da juventude, é que nos apercebemos de todas as possibilidades que se ofereciam à nossa frente. Umas vezes estamos adiantados, outras estamos para trás, mas raras vezes sabemos que a corrida é com nós próprios. 

Quem sabe?

Paixão quente,
coração dormente,
labirinto demente,
mapa na ponta de um alfinete
cravado na minha pele mais sensível.

Para que lado a saída?
Como saber, de olhos fechados?
Andar de um lado para o outro,
sem deixar sarar a ferida.
Coçar a dor, coçar o desamor,
sem nunca encontrar a saída.

Olha, um girassol.
Vou fazer mal-me-quer, bem-me-quer.
Com todas estas pétalas a mais...
Tão amarelas, tão vestais.
Quem sabe a sorte que me poderá bater.


Nova promessa

De um amanhã não parido, para um presente não aberto, eu envio as minhas saudações. Outro dia nasceu e da viscosa madrugada pingou o néctar da nova promessa e o aconchegante aroma invadiu a cidade inteira. O horizonte curvou-se como que sorrindo, num convite à aventura. Se por acaso me encontrares por aí, ofereço-te o calor de um abraço, digo-te que foi bom reencontrar-te e depois sigo o meu caminho.

domingo, 16 de setembro de 2007

Constelações

Somos constelações e por um eterno momento, chocamos num frenesim de luz que iluminou mundos a gerações de distância. Nos nossos caminhos, não seremos mais os mesmos, pois tocados fomos pelo fogo da eternidade. Eu aprendi amor. E tu? Talvez o mesmo. Em todo este espaço, está algures a nossa luz, inspirando poesia em mundos que ainda não nasceram.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Reflexo

Está um belo dia. O mundo continua a sua queda e dou por mim de esperança renovada. Nova esperança nascida da decomposição das folhas caídas das árvores. Do mesmo modo que a nova esperança se erguerá da extinção, o novo amor nascerá do lazer. Amar o amor, amar a vida e dar sem medida e sentir a sua retribuição num maravilhoso esperguiçar de promessa, quase adivinhado. A já quase de estimação carregada nuvem, sinto-lhe a cor de chumbo desvanecer-se. Está um belo dia, o céu está azul e apesar do azul evocar esboços de melancolia, consigo agora ver com clareza a paisagem mais distante. Preciso abraçar esta fresca e cristalina luminusidade. Sim, o mundo continua a sua queda, mas ele, tal como a vida, será sempre o reflexo da minha passagem.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Manhã clara

I
Manhã clara...
Despertar enquanto para
o outro lado se olhava.
Os olhos saciaram-se com a luz de mel.

E o jardim afinal resolveu aparecer,
sem mais nem menos,
Com fugachos de sol,
sombreados impressionistas
e tudo.

Seria possível uma paz assim?
Um entendimento assim?
Quando por eles já não se esperava?

Sentir o momento pode acontecer.
Sentir o momento, é o que é.

II
Um novo tempo brotou do lusco-fusco de interiores antigos, quase certezas. A luz, essa aliada esquecida apontou seu fino dedo por entre os poeirentos cortinados, depois dois, três...Logo, logo, cantos há muito não vislumbrados surgiam como flores num dia de primavera. Afinal era assim... Como foi possivel este reino de obscuridade? De aceitação gradual e quotidiana de promessas ficadas por vingar? Agora, na margem deste lago, pleno de vida, de conversas e chamamentos de pássaros, de fisgadas de sol, por entre as árvores, tudo se alinha, tudo faz sentido e não é possível voltar atrás. Um amadurecimento ocorreu, deixando um doce sabor acariciado na pele arrepiada por esta amena atmosfera. Se se aproximassem o suficiente, poder-me-iam ouvir sussurrar: Estou feliz...

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Vôo razante

Vôo razante
na noite ausente de estrelas,
porque foram todas ocupar
uma qualquer outra imaginação.
E então, com o vento na cara
e o olhar semi-cerrado,
construo geometrias invisíveis
à volta do teu sonho,
antes de acordares
em sobressalto
porque o avião caiu.
Mas ele não caiu, amor.
Nada mais foi
do que um daqueles sonhos...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

The best of times

Hoje ou mais tardar amanhã, receberás pelo correio uma caixinha embrulhada em veludo, seda e caxemira, em tonalidades bem escuras, talvez um azul profundo ou mesmo até negro e a pontuar com delicadeza, uma fita rosada. Quando a abrires, com todos os ansiosos cuidados, verás dentro dela, por entre aromas de girassol e malmequer, bem tímidos espreitando para fora, meus poucos primeiros anos. São onze ou doze os que te ofereço. Mal te virem, vão sorrir e para os teus braços saltarão, cobrindo-te de beijinhos, impacientes e travessos como sempre.
Com eles, passeando de mãos dadas pela praia, serás de novo menina e eles, embaraçados como nunca, irão pousar devagarinho nas palmas das tuas mãos todo o primaveril amor que há dentro deles. Nele pegarás, como se dum gatinho se tratasse e o acariciarás na tua corada face. Depois ele procurará refúgio bem dentro do teu peito, e abraçando teu coração, aguardará teus mil sorrisos, teus mil suspiros.
Naquela praia, à tardinha, já quase a anoitecer, os dois irão vislumbrar, numa sinfonia de cores, o sol a bocejar e lá ao longe deitar-se na cama do mar. No quebra-mar, descalços, os olhos de meus jovens anos olharão com carinho os teus olhos de menina olhando com carinho os meus. Por um instante apenas, como a mais breve estrela cadente, reconheceremos em cada um os velhinhos que iremos ser daqui a uma vida inteira e sim, eles davam beijinhos, entre ternuras e sussurros. Oh, doce brisa dos anos da meninice, como eles estavam felizes...

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

o último poema

Inquietação,
do princípio até à madrugada,
enquanto o gordo ar aparta a paisagem
com a crepitação da dança das flores.
O desnudado canapé das árvores
estabelece o ambiente no qual nos movemos,
espirituosos zombies, receosos da escuridão.
Encontramo-nos mutuamente
e perdemo-nos de novo num carrocel mágico
de desesperança.
Mas não deixamos de estar de olhos
no amanhecer.

O efémero mel das palavras

As palavras deixaram de existir. Nada, a não ser nossas memórias, pode provar que existiram. Como miragens, foram certeza por um momento e extinguiram-se. Foram o espanto do movimento da folha que da árvore se desprendeu, sem testemunha, ou a onda do mar repleta de flores que eu juro ter visto quebrar-se na areia, quando era criança. Ou a jovem com vestido côr de rosa que por segundos vi na paragem enquanto o autocarro retomava seu andamento. Poderia ela ser assim tão bela que se cravou na minha memória até hoje, 25 anos depois? E hoje? Foram para onde as palavras, feitiçeira? As minha veias foram para ti caldeirão onde o meu sangue ferveu de desejo. Para onde foi o mel que escorreu de nossas bocas? Sim, desejo possuir-te de novo, entregar-me a ti para que me possuas. Quero as palavras sussuradas, quero o momento, a miragem, enganar as leis da física e dobrar todo o universo, os tempos, as pessoas que fomos, dizer-lhes que tudo vai correr bem. Quero as tuas sensações em mim. Quero o momento à velocidade da luz. Dá-me a tua mão, feitiçeira, caminhemos juntos na estrada que as nossas palavras construíram. O momento...Já ninguém nos tira.
-Dedicado à S.

...Do sentir

Sentir, sentir a música interior, antes dos constrangimentos do medo, da desconfiança. Eu sinto e o que sinto por aqui vai ficando guardado, como cartas fechadas e cheias de pó, descobertas num canto duma gaveta, muito tempo depois de por cá ter andado. Descobrirão que um dia eu existi para lá das construções que de mim fizeram. Amei e fui amado e isso afinal não foi o fim do mundo, antes o tornou mais bonito por algum tempo. Aliviei nós de garganta e apertos de peito, chorando lágrimas inacreditáveis, sabe-se lá porque motivo.
Meu deus! O que o faria chorar? E ele responderia que chorava porque sentia, sentia toda a bondade do mundo apoderar-se dele e esvair-se pelo seu renovado olhar. Chorava de compaixão por todo o medo que nas pessoas conseguia adivinhar e tornaram a sua existência um pouquinho mais pesada. Sim, ele esteve um dia, na beira da falésia e vislumbrou o sentimento de todo o mundo e comoveu-se com a realização de afinal estar tudo ali, à mão de semear. Bastava fechar os olhos em rendição e sentir.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Estranho vislumbre II

Sim, eu estive um dia ali. Quando para lá olho, será a memória que vejo dentro de mim ou estarei mesmo lá, de algum modo num jogo de espaço e tempo? Se assim é, não consigo deixar de sentir uma estranha ternura e compaixão por aquele que ali esteve um dia e ainda lá está, ainda que provavelmente sob a forma de uma recordação. Poderá ver-me? Antecipar-me? Ou continua no seu deslumbramento por aquele céu? Pelo Sol, de psicadélica cabeleira de nuvens e múltiplas projecções de luz, a beijar o horizonte oceânico e onde minutos antes um miúdo me havia perguntado o que eram as ondas e eu não tinha sabido responder. Não, eu não estava sob a influência de nada, apesar da intensidade demente daquelas cores.Quando ela veio ter comigo e me abraçou, beijamo-nos devagar. Acho que nessa altura tive um súbito vislumbre de um futuro presente e ele adivinhava-se belo e cheio de surpresas como aquele pôr do sol.
Hoje, estou de novo aqui. Não exactamente no mesmo sítio, mas noutro que me permite ser espectador do meu passado. Está um anoitecer aconchegante. Deixo-me ficar, observador do ocaso que já lá não está.
Eis o momento aberto à queimadura da pele hesitante. Por fim repousa nas bordas do dia. Assim sobe-desce degraus conforme o uniforme do momento. Na mais paralizante paisagem se decide por vezes a dor futura, em religiosa felicidade. O amor é um vazio dolente aguardando o desperdiçar da vida. Nenhum vislumbre se avizinha. É sempre tempo de acabar. Quimera: deixo cair a cabeça entre os joelhos, abandono-me neste cliché crepuscular. Quero acabar. Sonho continuar.Não existe monte sagrado. Existe o amor e as micro-revoluções interiores, mas até estas acabam por fatigar a idade, esquartejando-se. Não, não existe dia seguinte. A noite seduz, a lucidez torna-se espera. Espera, ideia fintada, espera, habituei-me ao teu labirinto. Sei que dentro deste esvair existe grandeza, portanto, Amor, espera o pé-ante-pé dos dias. Eu aqui fico. Há sempre um último toque redentor. E sempre um novo dia que nasce.

Predominância de azul


De presentes e palavras,
encantos e passos de caranguejo,
uma fresca neblina atlântica
invadiu toda a esfera celestial
e o magnífico azul filtrado
pela emocional gaze dos sonhos.
Todo o mundo foi melhor naqueles dias.
Sorvete a derreter-se
no feitiço da beleza sussurrada,
da beleza vislumbrada.
E havia doce certeza em tudo aquilo,
como a certeza sentida
depois de se estar sentado num tapete voador.
O azul, dádiva impregnada com o mel dos dias,
ansiosos dias de deixar a teia de mastros cumprir-se
face ao arrebatado horizonte.
Eles voltarão quando a espera desesperar no azul
de um dia feito carmim. Eles voltarão.
Mas ao voltarem, por entre as lágrimas,
estarão a partir.

Aqui agora

«...all those moments...will be lost...like tears...in the rain.» -in Blade runner

De onde vem esse sabor enigmático? Esse sabor como quem põe roupa do avesso?
E então o queixume ziguezagueia, julgando-se uma qualquer ondinha do rio. As palavras esculpem-se no granito aquecido pelo sol e as migalhas caídas exorcizam as résteas de significado em si contidas. Tudo podia jorrar de perfeição se a brisa da tarde transportasse um pouco de cheiro da erva, mas é o mar o rei e aqui nem mar há. Podia ser uma daquelas cidades mediterrânicas em que nos imaginamos a caminhar devagar com o amor da nossa vida, afinal dentro de um sonho. Mas não haveria desilusão, porque a memória perpetuaria o instante. Sim, apesar de tudo, momentos há em que, como se de uma compaixão se tratasse, sentimos a infindável beleza de estar aqui agora.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Quebra-cabeças

1
Segue os passos ou liga os números.
A tristeza é uma estação imprecisa.
Não há deslizar das folhas para o chão,
o sol aquece as gotas de chuva,
aquelas unidas no arco-íris cadente.

Mas podes sempre esperar o comboio,
qual inocente testemunha de um crime por acontecer.
São os teus olhos a ditar a suavidade do dia.
Liberta as estrelas.
Sorri, como só uma mulher sabe sorrir,
como se soubesse algo que mais ninguém sabe.
Essência da feminilidade.
E assim também se tempera a delícia de o seres.
Mulher.

2
Um poema é um quebra-cabeças,
cada palavra contraria a anterior
encaixando-se nela.
Um jogo. Cabra-cega.

Sente as minhas mãos, amor.
Elas recriam as palavras na tua pele,
puxam-te para fora da gruta
onde o frio e o escuro alimentavam
teus filmes mentais nos quais as lágrimas
conduziam sempre a finais felizes.
Daí a tristeza.

Ao longe...
Sim, o lamento do comboio.

3
Do you hear?
A whisper... He came back.
And wants you to know he was never far.
There are days such as these, full of bumps,
and suddently, like a birthday gift,
everything is fullfillingness.
He's by your side and whispers
that the light was always within you.
It illuminated him, warmed his face,
gave him back a gentle vision of life.
(Can it be possible?...)
And now he came back to tell you
that tears will be but honey sweetening life,
emotions, the passion of kisses.

Listen... Fragile as a wisper...

Um estranho vislumbre

I
Um estranho vislumbre, de não estar realmente lá. Os olhos, sim, os olhos. Eles encontram-se, embora fechados em algum tranquilo êxtase. E sentamo-nos na fresca erva de Verão, quase escapando realizar que tudo faz sentido por um momento. A este momento, lidamos com amor e com amor descobrimos a intemporalidade.
Um estranho vislumbre pela vaga brancura da minha memória de ti. A vontade de contemplar para lá dos teus olhos, numa cena de Paixão de luz solar e sombra, numa carícia impressionista da tua esfomeada pele. Sim, está quente em nosso redor. Tudo está como devia estar. Num estranho e simples vislumbre.

II
Nada retenho da assustada madrugada, do desabrigo aconchegado e transversal das fugidias palavras, numa espera quase sensual a desaguar desilusão. E aquelas vidas futuras que ficaram por viver, algures no éter da imaginação, sim, todas elas se vão cumprindo dia a dia, como capítulos de livros da biblioteca do invisível. Está lá tudo, apenas nunca aconteceu.

Exorcismo da lua


Uivo minguante


Desígnios do absurdo


Nascimento do suave enigma